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sábado, 1 de outubro de 2011

Uma mão a mestre Bento


Mestre Bento virou outra pessoa desde que foi internado em agosto de 2011. Quase não conversa, emagreceu. Deixou de caminhar pelas ruas de Marapanim (PA), visitar os amigos, de cuidar de seu carimbó - a coisa que ele mais gosta de fazer na vida. No dia 1º de agosto de 2011, ele deu início a uma série de internações que passariam a ser uma constante. Na primeira vez, os problemas de saúde lhe valeriam 17 dias no hospital. Esta semana, o diagnóstico de tuberculose, já beirando o câncer de pulmão, não deixou dúvidas aos médicos que o internaram na quarta-feira, dia 28. Mas a aposentadoria como trabalhador rural não dá conta dos custos de tratamento, necessários para garantir o retorno do mestre ao seu cotidiano de possibilidades. A família e os amigos começaram uma movimentação pela internet para arrecadar fundos para o tratamento desse mestre, que foi um dos primeiros líderes da campanha de reconhecimento do carimbó como patrimônio imaterial brasileiro. Bento da Trindade Alves tem 84 anos e criou em 1993 o grupo de carimbó “Raízes da Terra”, na ativa até hoje. É o resultado da personalidade de um garoto ‘agoniado’, sempre se envolvendo na cena cultural da cidade.
“Desde os 15 anos de idade ele já gostava dessas coisas, participou de grupos de boi-bumbá, de cordão de pássaro, até que criou o ‘Raízes da Terra’ e ficou só se dedicando a isso”, lembra a filha Zuleide, 40, a mais nova dos cinco rebentos do mestre. É ela quem assumiu as tarefas antes realizadas pelo pai. Dividida entre o hospital e os afazeres ligados ao “Raízes da Terra”, ela tenta reconhecer a imagem paterna na figura deitada na cama, completamente transformada pelas doenças pulmonares.
“Ele tá muito debilitado, emagreceu, conversa pouco, fica quieto. Ele estava bem forte, agora não deve estar nem com 40 quilos. Antigamente ele era uma pessoa alegre, conversava, caminhava bastante, ficava cuidando do carimbó dele. Ele fica me perguntando se estou fazendo as coisas, se estou fazendo direito”, diz Zuleide. A agonia de seu Bento em não poder fazer nada, fica ainda maior com a proximidade do Festival de Carimbó de Marapanim. O evento será realizado entre os dias 2 e 4 de dezembro e homenageará o mestre, autor de composições como “Água da chuva no mar”. No Festival, aliás, Mestre Bento terá a composição “Artesanato” como concorrente no Prêmio de Música de Carimbó Raiz.
“Ele é uma pessoa que gosta de participar, ajudar. E ele não está podendo fazer nada disso. Eu digo pra ele: pai, você tem que reagir, se você não reagir, você não vai poder fazer essas coisas”, lembra Zuleide, que junto com os irmãos faz questão de preservar todos os trabalhos do pai. “Ele tem um livro com todas as músicas dele, nós faz questão que ele escreva as músicas dele. Ele tem pra mais de 50 composições”, garante a filha do criador do grupo de carimbó Raízes da Terra. O grupo surgiu em 1993 e continua na ativa até hoje.
O coordenador da Campanha Carimbó Patrimônio Cultural Brasileiro, Isaac Loureiro, tenta organizar um show beneficente no próximo dia 19 de outubro, no Teatro Gasômetro em Belém. Já há artistas confirmados para o espetáculo musical, que deve reunir Alcyr Guimarães, Lucinnha Bastos, Júnior Soares, Allan Carvalho, Dona Onete, entre outros convidados, que vão participar voluntariamente da ação.
“Devem ter também grupo de carimbó de Belém e Marapanim. A proposta é fazer um show em 19 de outubro. O ofício já foi encaminhado para o órgão e estamos esperando confirmação. Ainda não se estabeleceu o preço dos ingressos, mas vai ser acessível, entre 10 e 20 reais”, adianta Isaac.
Além de levantar verba para financiar o tratamento de Mestre Bento, a ideia do show é também reacender o diálogo sobre as condições de sobrevivência dos mestres de cultura do Pará. “Ele não será o primeiro e nem o último a passar por uma situação desses. Queremos levantar a discussão dos nossos mestres terem uma pensão específica”, diz Loureiro.
Segundo Isaac, em 2009, foi iniciado um debate com o governo estadual para a criação da “Lei de Tesouros Humanos”. A Lei prevê a instalação de editais de seleção e premiação de mestres e grupos de carimbó. Com ela, os mestres teriam um auxílio mensal e vitalício de no mínimo um salário mínimo; e os grupos, selecionados anualmente por edital, receberiam uma ajuda de custo em única parcela de no mínimo dez salários mínimos. A proposta acabou não indo adiante e, com a mudança de governo, Isaac Loureiro espera reativar a mobilização.
Enquanto as ações em prol dos mestres de nossa cultura popular não ganham concretude, a família de Mestre Bento aceita doações para custear o tratamento. Quem quiser ou puder contribuir, pode depositar qualquer quantia, um auxílio para um dos grandes Mestres do nosso ritmo mais típico.
Ele que, além de ser reconhecido como líder comunitário e memória viva da cultura marapaniense, recebeu em 2008 e 2009 o Prêmio Culturas Populares da Secretaria da Identidade e da Diversidade do Ministério da Cultura. Foi agraciado também com o Prêmio Maestro Adelermo Matos de Cultura Popular, promovido pela Secretaria da Cultura do Pará (Secult). Agora em 2011, Bento da Trindade Alves tenta recuperar a saúde e a rotina. (Diário do Pará)

3 comentários:

Markhus Lopes disse...

Que belíssima iniciativa! É triste e bonito ao mesmo tempo... Forças a mestre Bento!

Azevedo Dias disse...

Explique-me como afirmar com toda certeza que o ritmo do carimbó é africano. Não haveria a possibilidade de o ritmo ser indígena, já que o tambor é indígena. Ou será que somente o povo africano tem ritmo?

Outra pergunta: Quem é que criou esse mito que os ritmos brasileiros são todos de origem africana? Será que tanto os portugueses quanto os indígenas são seres incapazes?
Se isso for verdade, chegaríamos a conclusão que sem os africanos, o Brasil não possuiria essa variedade rítmica. Será???

Espaço Cultural Coisas de Negro disse...

Caro Azevedo Dias, não sei em que momento nesse texto foi afirmado isso, mas caso sua dúvida seja pelo nome de nosso espaço fazer menção apenas a origem negra, queremos deixar claro que nunca desmerecemos a contribuição do indígena e do branco. até mesmo pq não existe um conceito padrão sobre o carimbó.