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quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

'Piranha' mostra a conquista do carimbó no Ceará

Documentário mostra a conquista do carimbó no Ceará nos anos 80 (Foto: Diário do Pará)

Para grande parte dos fãs paraenses, a única passagem de Manu Chao por Belém, no dia 30 de maio do ano passado, foi uma inesperada troca de gentilezas. O músico distribuía elogios à música local, em especial à guitarrada e ao carimbó. Declarou-se fã de Pinduca e exigiu que o rei do carimbó fizesse parte da abertura de seu show.
O motivo da tietagem do músico franco-espanhol fica agora mais claro com o anúncio do documentário cearense “Piranha: O Carimbó no Ceará”, com direção de Tibico Brasil. O média-metragem de 50 minutos, que está em fase de finalização e captação de recursos, mostra como o ritmo nascido da fusão das culturas negra e indígena no Pará e suas variantes - como a guitarrada e a lambada - viraram febre na terra do forró na década de 80.
Apesar de fazer somente uma ponta no filme, a vinda de Manu Chao à capital paraense se tornou o ponto de partida do projeto.
“É apenas uma participação especial, mas a figura dele entra no filme como exemplo dessa pessoa de outro universo que vê no carimbó uma fonte de inspiração. É um indicativo que o ritmo vem seguindo um caminho contínuo de expansão para se tornar cada vez mais global”, acredita Tibico Brasil, em entrevista por telefone de Fortaleza.
A aproximação do músico com a produção se deu devido aos estreitos laços que ele mantém com a capital cearense: Manu Chao tem um filho adolescente que mora em Fortaleza e o visita constantemente. Mas desde a década de 90, quando largou o grupo de world music francês Mano Negra para tentar carreira solo, o Brasil tem feito parte de seu roteiro de viagem. Sua estada no Rio de Janeiro serviu de inspiração para o aclamado primeiro trabalho solo “Clandestino” (1998), com direito a música em português (enrolado) “Minha Galera”.
Agora o carimbó se acrescenta à lista de influências de um número cada vez maior de artistas contemporâneos. Os músicos pernambucanos do Nação Zumbi e Otto já gravaram suas versões do ritmo paraense. Os cariocas Do Amor investem na experimentação, trazendo ao gênero levadas de guitarrada e sons caribenhos. Caldo de Piaba e Fernanda Takai também assumiram a influência, em maior ou menor grau.
VÁCUO
Mas antes de virar um gênero conhecido, como foi o início da trajetória do carimbó como primeiro ritmo tipo exportação da Amazônia?
“No caso do Ceará, o carimbó assumiu um espaço dentro do vácuo musical que passávamos na época”, afirma o diretor. “Era um período de entressafra na música cearense. O forró tradicional, como o de Luiz Gonzaga, tinha decaído em popularidade, e o forró eletrônico, que ia tomar de assalto a década seguinte, nem havia sido pensado”.
Nas praias nordestinas, o gênero folclórico amazônico originalmente dançado em passos largos e tomando certa distância entre os parceiros foi aclimatado como uma dança coladinha.
“Grande parte do sucesso se deu porque era uma música ótima para se chegar nas meninas”, admite Tibico.
E a geração de Tibico viveu intensamente seu momento carimbozeiro. Nos anos 80, músicos como Alípio Martins, Vieira, Pinduca, Carlos Santos, Pim, Aldo Sena, Beto Barbosa e Mário Gonçalves experimentavam uma vida dupla entre Fortaleza e Belém. Tocavam nas rádios, eram atrações em programas de auditório como o de Irapuan Lima, espécie de Chacrinha da tevê cearense, e se apresentavam regularmente.
O sucesso comercial fora do Estado rendeu casos curiosos, como o do “protolambadeiro” Pim, que compôs canções como “Praia de Iracema” e “Praia da Barra”, em homenagem aos balneários nordestinos, sem nem ao menos ter colocado os pés no Ceará. Depois, quando passou a se apresentar na região, casou teve filhos e morou por 17 anos na capital cearense.
PESQUISA
Para retratar esse período, o documentário traz depoimentos dos principais expoentes do cenário paraense, como Pinduca, Aldo Sena, Pim e Mestre Vieira. No caso de Alípio Martins, morto em 1997, e cuja música “Piranha” dá o título do documentário, serão usadas imagens de arquivo. O atual estágio de produção do média conta com cerca de doze horas de filmagem, com locações em Belém e nos municípios paraenses de Igarapé-Miri e Barcarena.
Durante a pesquisa, os produtores puderam perceber inclusive os atuais frutos desse intercâmbio cultural. O carimbó pop que amplificou a música tradicional paraense serviu posteriormente de base para o forró eletrônico cearense.
“Os músicos paraenses não tinham a dimensão de como iam influenciar o forró. Temos uma série de músicos que acabaram nascendo e se formando pela influência desse repertório do carimbó e guitarrada. A cantora Eliane, conhecida como rainha do forró, faz parte dessa geração, assim como a banda Mastruz com Leite, que fez um disco inteiramente dedicado ao Pinduca. Eles foram os precursores da modernidade no som mais regional”, afirma Tibico.
O projeto ainda prevê o encontro dos mestres paraenses do carimbó para um grande show em Fortaleza.


“Como é uma produção independente, estamos fazendo o filme por pedaços. Vamos produzir um show reunindo os que fizeram parte dessa história”, diz o diretor.
“Não temos a pretensão de fazer um documentário sobre a origem do carimbó. Minha vontade é apenas relembrar parte da minha juventude”, conclui.
Quem sabe agora, com as graças de Manu Chao, o carimbó e sua prima pobre, a lambada, possam experimentar um revival de sucesso sem culpa. (Diário do Pará)

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